segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A ALEGORIA

Leiam-se estas duas frases de S.to António:

·         “As duas asas da ave são a fé e a esperança da alma; elevam-na das coisas terrenas. A fé e a esperança respeitam ao invisível, e por isso elevam do visível ao invisível”.
·         “As partes da vida do homem são o oriente do nascimento, o ocidente da morte, o meio-dia da prosperidade e o setentrião ou aquilão da adversidade”.

Tempos houve em que alegoria era um processo muito vulgarizado. Era assim nos sermões de S.to António, donde se retiraram os dois exemplos acima.
No texto alegórico há sempre duas realidades distintas, mas paralelas. No primeiro exemplo, dum lado temos as asas da ave, do outro as virtudes da fé e da esperança. Olho para as asas da ave e vejo a fé e a esperança ou olho para a fé e para a esperança e vejo as asas da ave.
No segundo exemplo, temos os pontos cardeais e a vida do homem. Olhando para os pontos cardeais, vejo a vida do homem ou olhando para a vida do homem vejo os pontos cardeais.
No romance Gabriela, Cravo e Canela, ocorre uma vez esta sucessão de metáforas “Lindas flores deste canteiro florido de Ilhéus”, para significar as senhoras do lugar: dum lado temos flores e canteiro, doutro as senhoras e a sua terra.
Jesus Cristo chama aos seus ouvintes “luz do mundo” e depois quer que eles iluminem: dum lado está a luz e a iluminação que projecta, do outro estão os divulgadores que devem levar a todo o lado a sua palavra.
No sermão fala-se de peixes, que se louvam ou se repreendem, para se louvarem ou repreenderem os homens.
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Alegorias dentro da alegoria
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Na alegoria maior que é o sermão – Vieira dirige-se aos peixes para falar aos homens - encontramos muitas alegorias menores: a da rémora, a do torpedo, a do peixe de Tobias, a do grande escândalo, a da cegueira, a do peixe voador, a da ronca, a dos pegadores, a do quatro-olhos, a do polvo…
Estas alegorias são quase sempre constituídas por três momentos:

·         A descrição objectiva duma qualidade do peixe ou dum aspecto da sua vida (a este nível, a linguagem não é alegórica):
         O torpedo faz tremer a mão de quem o pesca.
·         A utilização da linguagem alegórica originada no fenómeno descrito para criticar defeitos humanos:
        Aos pescadores de terra deviam tremer-lhe as mãos:
        “Tanto pescar e tão pouco tremer!”
·         A utilização da linguagem alegórica originada no fenómeno descrito para elogiar Santo António:
           S.to António fez tremer 22 ouvintes, que devolveram os roubos e se corrigiram.

Verifique este processo, por exemplo, em relação ao pegador ou ao voador.

Leia este texto e verifique se pode ser classificado como alegoria:

O homem é como um automóvel.
O automóvel tem o motor, que o faz andar, que o empurra; o homem tem a paixão que o impele para a acção.
O automóvel tem o volante, que permite conduzi-lo para onde se quer; o homem tem a inteligência, que lhe há-de governar a vontade, a força das suas paixões.
O automóvel tem o travão, que lhe trava o ímpeto em ocasiões de perigo; o homem tem a força de vontade, que o há-de reter a mando da inteligência.
Olhando para o automóvel, posso ver o homem; olhando para o homem, posso ver o automóvel.


As estátuas aos lados, acima, são uma alegoria da justiça: reparar no livro das Leis (na da direita), na balança (para avaliar a bondade ou maldade dos actos a julgar) e na espada para castigar o crime (na da esquerda).

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